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A REVISTA DAS BEATS

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Hanna Paulino: a potente voz negra e nortista no metal

Hanna Paulino carrega em si um legado cultural diverso e profundo. Sua vida é marcada por contrastes: de um lado, a raiz macapaense e carioca; de outro, a intensidade do metal. Essa mistura de influências deu origem a uma artista única, que desafiou as limitações geográficas e culturais para se firmar como uma das principais vozes na região Norte do Brasil.


Sua trajetória na música já ultrapassa duas décadas, mas seu nome passou a se repetir ainda mais no Sudeste do País após receber o convite, em 2023, para participar do projeto Shamangra, que conta com membros das formações clássicas das bandas Angra e Shaman. Mulher, mãe, negra, nortista e vocalista de metal, para furar as bolhas até ser ovacionada em palcos emblemáticos como o Circo Voador, no Rio de Janeiro, precisou contar com outras mulheres, como a também cantora Mayara Puertas e a empreendedora Fernanda Mariutti.


Hanna Paulino e Mayara Puertas. Foto: Anderson Hildebrando @andersonh_fotografia

Nascida em 1987 na capital carioca, mudou-se para o Amapá ainda bebê, quando o pai se transferiu com a família em busca do sonho de prosperidade no mercado de extração de palmito. Seus pais, Fátima e Jorge Firmino, não tiveram apoio de amigos quando decidiram se casar em 1980. O motivo eram suas próprias origens. O pai, negro, da favela da B2 e a mãe, branca, do bairro Colégio, ambos na Zona Norte do Rio. 


Desde muito cedo, a música esteve presente na vida de Hanna. Seu pai foi uma figura central em sua formação artística. Como percussionista e ogã no Candomblé, ele não só trouxe a musicalidade para dentro de casa, mas também o estilo de vida boêmio que movimentava seu quintal aos finais de semana com churrascos ao som de samba, MPB, R&B, Tina Turner e Michael Jackson. No entanto, a vida da jovem cantora mudaria drasticamente após a morte prematura de Jorge Firmino, vítima de um AVC, quando ela tinha apenas nove anos.


Foto: Nayana Magalhães

Fátima, sua mãe, foi uma figura crucial em sua vida e carreira. Após o falecimento do pai, foi ela quem precisou superar os desafios financeiros e pessoais para criar os filhos, aos quais nunca deixou faltar nada. A loja de variedades que mantinha como extensão de sua casa precisou fechar as portas para que se mudassem para a capital do Amapá em busca de escolas de melhor qualidade para as crianças.


Durante a adolescência, Hanna aprendeu com a mãe a "fazer os corres". Vendia produtos da Avon e Natura na escola. Enquanto isso, descobria sua paixão pela música pop, que começou com os Backstreet Boys e se expandiu para outras boybands e artistas do gênero, como Britney Spears e Christina Aguilera. As descobertas musicais vinham através da rádio Transamérica e TV Manchete, já que MTV ou CDs importados não eram canais de fácil acesso para ela naquela época. A música japonesa também marcou sua infância, influenciada pelos animes que faziam sucesso pelos anos 2000.


Aos 15 anos, Hanna entrou em uma escola particular e se aproximou do colega mais trevoso da classe, o Taiguara, que a introduziu ao rock. Ele emprestou a ela um CD do Angra, e sua paixão pelo metal começou ali. A inspiração para ser vocalista veio em 2002, quando descobriu Cristina Scabbia, cantora do Lacuna Coil. Um ano depois, formou sua primeira banda, a Senzafine, que tocava metal gótico.


Foto: Alexandre Brito @britomcp

Aos 18 anos, Hanna participou de um processo seletivo para o curso de canto lírico da escola de música macapaense Walkíria Lima, após insistência de uma amiga. Apesar do preconceito inicial pela influências do heavy metal e da falta de experiência com piano, ela impressionou ao acompanhar as escalas vocais e conseguiu a vaga. Sua dedicação total à escola, frequentando todas as aulas e se destacando, mesmo sem concluir o curso, marcou o início de sua jornada no canto lírico.


Em 2008, Hanna reencontrou um amigo que estava formando uma banda de power metal de Macapá chamada Hidrah, que precisava de uma vocalista. Embora estivesse imersa no canto lírico, ela aceitou o convite para um ensaio que, na verdade, foi o teste que garantiu a ela uma vaga na banda. A Hidrah começou a criar trabalhos autorais e ganhou notoriedade. 


Em uma das apresentações mais emblemáticas com a banda, ela estava grávida de sua única filha. Hanna cantou no Dia Mundial do Rock, no mesmo palco que o Angra, exibindo sua barriga onde geria Lorrana, a filha que hoje já completa 13 anos. "Depois que ela nasceu em agosto de 2011, as coisas aconteceram pra mim musicalmente", conta com orgulho. 


Hanna e a filha que compartilha das paixões musicais da mãe.

Foi justamente a gravidez que sepultou sua fragilidade com a autoimagem, dando espaço para uma mulher confiante de quem é. "Sempre fui rodeada por amigas brancas. Eu me achava a mulher feia do grupinho." A transição capilar foi o primeiro passo quando assumiu o black power um ano depois do nascimento da sua filha. Uma jornada de transformação que revelou uma fase de autodescoberta e representatividade como mulher preta no cenário do metal.


Em 2012, Hanna começou a tocar na noite com a banda de flashback Cadilac Blue. Isso se tornou seu segundo trabalho, enquanto mantinha sua carreira no setor administrativo/jurídico. Com a Hidrah, não ganhava dinheiro, pois todo o investimento era voltado para a banda. 


No mesmo ano, teve a chance de cantar ao lado de Edu Falaschi, com a banda servindo como base para um workshop do músico. Ela promoveu um mutirão para a hashtag "#DuetoEduEHanna" no Twitter e teve seu momento reconhecido pelo cantor, apesar de não ter nenhum registro do momento. Em 2013, cantou com André Matos em Macapá durante um workshop, onde tiveram a oportunidade de realizar um dueto com coro pela primeira vez. A simplicidade e o envolvimento de André Matos foram marcantes para ela. Hanna ainda se emociona ao lembrar da perda do artista que ocupou os vocais da banda Angra até 2000, quando fundou o Shaman e faleceu em 2019, vítima de um infarto, aos 47 anos. 


Com a saída da banda Cadilac Blue, formou a Vox Voyage, dedicada a festas particulares. Diante da dificuldade de equilibrar a vida de escritório e a carreira musical, decidiu mudar de rumo em 2016 e viver apenas de música, realizando cerimônias que iam de casamentos a velórios.


Em 2017, Hanna aceitou o desafio de integrar a banda de hard rock Vennecy. Três anos depois, participou da Quarentena King da Soul Spell Metal Opera, um projeto nacional que reuniu diversos artistas. Sempre admiradora da vocalista do grupo, Daísa Munhoz, Hanna conquistou o 3º lugar em um concurso com mais de 200 candidatos e, como resultado, gravou uma faixa com o grupo, ultrapassando as fronteiras regionais.


Em meio à pandemia, Hanna foi convidada pela cantora Mayara Puertas para um collab no canal do baixista Luis Mariutti, cofundador das bandas Angra e Shaman. O convite a fez chorar por 15 minutos de tanta emoção. O conteúdo foi lançado durante a live de aniversário do músico, que também celebrava o lançamento de seu livro Luis Mariutti: Memórias dos meus 50 anos. Imediatamente, ganhou 400 novos seguidores nas redes sociais e o início de uma história que se tornou mais um divisor de águas na sua carreira.



No mesmo ano, Hanna participou do concurso "10 ou 1.000" no programa do Ratinho, correndo atrás de patrocínio para cobrir as passagens e cantando "Sweet Child o' Mine" para agradar o público, apesar de nem ser fã de Guns N' Roses. Ela venceu a competição, conquistando 3 dos 5 votos dos jurados, superando candidatos como um artista que chorava leite e um circense. Durante o processo, passou três dias na casa de Mayara Puertas, que atuou como amiga, host e assistente de comunicação.



Recebeu mais um convite de Fernanda Mariutti em 2022 para participar da "Festa da Firma", um evento anual que reúne músicos para celebração e premiação, e estampou a capa da zine Mariutti Team. Passos que a fizeram ser reconhecida enquanto caminhava pela Av. Paulista entre um evento e outro.


Desde agosto de 2023, Hanna divide seu tempo entre Macapá e o Rio de Janeiro. Sustenta a família com seu trabalho musical e vive um grande amor com o chef e músico Tássio Callins. Ela mantém uma rotina intensa, viajando entre as duas cidades e lidando com a saudade de sua mãe e filha, Lohanna, que tem 13 anos e já toca guitarra com o sonho de seguir carreira como musicista.


Hanna adota uma postura de total comprometimento: "Eu nunca digo não pra nada, talvez seja um defeito. Sou sangue nos olhos." Seu primeiro show com o Shamangra foi um sucesso, e a recepção positiva das mídias especializadas foi um reconhecimento do seu trabalho e dedicação.


Sair de Macapá e se apresentar no Audio, um palco renomado por onde passaram grandes artistas nacionais e internacionais, foi uma conquista que ela vê como resultado de muito esforço e merecimento. Com determinação e paixão, ela se entregou completamente ao projeto, mostrando que seu "corre" é digno e que sua presença no palco foi conquistada com muito suor e dedicação. Em maio deste ano, voltou ao Rio de Janeiro, cidade onde nasceu, para se apresentar no Circo Voador com o Shamangra. O momento foi tão intenso para Hanna que ela mal se lembra de detalhes.


Sobre interpretar no palco canções do seu ídolo André Matos, ela entende que é uma responsabilidade que exige respeito ao legado do artista. Ao mesmo tempo, tem compreensão de que são gêneros e histórias diferentes. "Quero que minha voz seja minha impressão digital. Quero firmar o meu espaço", explica.



Junto com tantos reconhecimentos, vieram críticas, especialmente na Internet. Alguns comentários específicos a deixam desconfortável, como: "Tire a 'Ludimilla' do palco" ou "Não sabia que a 'Jojo Todynho' canta metal", fazendo referência a artistas nacionais de outros gêneros e também de pele preta. "Isso não me ofende, porque são duas mulheres maravilhosas nos seus nichos. No entanto, são falas que me assustam."


Os haters não são suficientes para abafar seus sonhos. "Eu quero ser rica mesmo, quero chegar ao mainstream. Quero um cartaz meu na Times Square e fazer um show no Japão", compartilha, rindo. Ao mesmo tempo que não esconde suas ambições, reconhece os desafios que terá que enfrentar. "Ser uma mulher preta no front de um grupo de músicos renomados no metal incomoda muito."


Foto: Ian Dias @diasphotograph

Enquanto percorre sua história e coleciona conquistas, Hanna espera ser capaz de abrir caminhos e formar futuros artistas. A começar pela sua filha. Ela se lembra do momento em que desceu do palco no Circo Voador e carregou a filha no colo. Ao perguntar se era a vida de artista mesmo que ela queria, ouviu um "sim" como resposta. "Então vamos estudar porque é foda pra caramba seguir essa carreira", alertou e encorajou como uma mãe que conhece bem esta estrada.



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